Feminismo negro

Luzia Moniz: “Sou Winnie-Mandelista, não sou Nelson-Mandelista”

No dia 12 de Junho de 1964, o motorista que conduzia a carrinha branca até à Ilha Robben , para onde eram levados Nelson Mandela e outros seis ativistas, era branco. Os sete homens que lá iam dentro eram negros (um outro, esse branco, ficaria na Prisão Central de Pretória), membros do Congresso Nacional Africano (em inglês, African National Congress ou ANC), partido comunista Sul-Africano, e tinham sido condenados a passar a vida na prisão, acusados de sabotagem e de organizar uma revolução com a ajuda de comunistas.

No mesmo dia, Winnie Mandela, na altura companheira de Nelson, fazia parte da multidão que circundava a tal carrinha. Comentou com um jornalista: “Bem, estou um pouco aliviada. Poderia ter sido muito pior do que isto. Na verdade, eu e a minha gente esperávamos pena de morte.”

Winnie Madikizela-Mandela nasceu numa família de onze, em Setembro de 1936, em Bizana, uma zona rural da África do Sul. A cor da sua pele determinava onde não se podia sentar, onde não podia passear, o que não podia fazer. A seguir à escola secundária, mudou-se para Joanesburgo, onde trabalhou como assistente social. Foi aí que conheceu Nelson Mandela, o seu companheiro durante 38 anos – mesmo enquanto este esteve preso em Robben Island e só podia ser visitado a cada seis meses, mesmo quando parecia que nunca seria liberto. A luta fazia-se cá fora. E fazia-a Winnie. Luzia Moniz, angolana, jornalista, socióloga, presidenta da PADEMA – Plataforma para o Desenvolvimento da Mulher Africana e assumidamente Winnie-Mandelista, lembra: “Todos os dias, enquanto Mandela esteve preso – todos os dias – com sol, vento, tempestade, Winnie fazia uma ação pública contra o apartheid.”

Ao documentário “Winnie”, realizado por Pascale Lamche, Winnie Mandela disse: “Todos nós somos corruptas ou corruptos nessa luta pela libertação. O «eu» já não interessava porque o país estava primeiro. Quando eles foram encarcerados, visto aos olhos de hoje, eles [o regime]olharam pelos nossos líderes, porque daí para a frente, a violência que testemunhámos no país nunca antes tinha sido vista. Não se sabe o que poderia ter acontecido à nossa liderança se eles [Nelson Mandela e os outros presos] estivessem cá fora connosco. Nós éramos carne para canhão. Nós éramos soldados rasos”.

Winnie passou a ser uma das vozes e figuras mais ativas na luta anti-apartheid e no seio do ANC. Foi presa variadíssimas vezes. Em 1967, foi condenada a um mês de prisão por ter visitado o marido. Em 1969, foi presa novamente, ficando 491 dias em isolamento e encarcerada até 1975. Um ano depois, é encarcerada novamente, outros seis meses, acusada de ter liderado um protesto que levou cerca de 20 mil alunos para as ruas. Contestavam um decreto aprovado no ano anterior, que forçava as escolas negras do país a ensinar algumas das matérias em Africânder – língua vista como sendo a do opressor branco. É, aliás, do Africânder que vem a palavra “apartheid”, que significa “separação, segregação”. A polícia enfrentou brutalmente o protesto, jovens e crianças foram agredidos e centenas morreram. No mesmo documentário disse também, “Eu estava tão habituada a ser presa que tinha duas pequenas malas onde arrumava as coisas necessárias: escova de dentes, pasta de dentes…”

Em 1977, Winnie é novamente condenada, desta vez ao exílio, na remota vila de Brandfort, onde, afirmou mais tarde, ajudou a recrutar soldados para o Umkhonto we Sizwe (também conhecido por MK), um grupo paramilitar pertencente ao ANC, e que foi responsável por bombardeamentos como aqueles que atingiram a Refinaria de Petróleo Sasol. O apartheid não morreria com protestos pacíficos. Morreria com violência, acreditava. Numa entrevista nos anos 1980, um jornalista perguntava-lhe: “Estaria preparada para pegar numa arma e matar alguém para conseguir aquilo que para si significa liberdade?” Resposta: “Agora eu sei que consigo.”

Winnie Mandela foi uma radical até ao fim. O apartheid caiu em 1990, mas Winnie queria mais. Queria justiça social, justiça económica, justiça racial, feminismo. Foi talvez a sua radicalidade que fez com que ficasse na sombra, findo o apartheid. Hoje, quem procura pelo seu nome, lerá invariavelmente Winnie Mandela como a ex-mulher de Nelson Mandela. Mas não foi apenas isso. Luzia Moniz, concretiza: “A Winnie Mandela era uma mulher doce, ao mesmo tempo guerreira, que lutava e lutou até a morte contra todas as formas de discriminação.”
A luta pela justiça não era só a sua luta. Era a sua vida.

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