Zillah Branco, a mulher que viveu todas as Revoluções

“Na minha vida só tive derrotas”. Com um leve sorriso na cara, do alto dos seus 81 anos, Zillah Branco atirou a lapidar frase. Conversámos pela primeira vez há duas semanas e percebemos logo a singularidade da pessoa e do seu percurso de vida.

Foi o alfarrabista que tem vendido os muitos livros da biblioteca do É Apenas Fumaça que nos falou dela. Que tínhamos de a ouvir. Que a história de vida era incrível. Que tinha vivido por dentro três golpes militares, em três países diferentes. Marcámos um encontro.

Zillah abriu-nos a porta de casa, em Massamá, Sintra, por duas vezes. Primeiro para conversarmos sobre as histórias da sua vida e depois para podermos gravar esses relatos. Da ditadura militar no Brasil ao Chile socialista de Allende, do nosso 25 de Abril à eleição do brasileiro Lula, a vida de Zillah é uma vida em Revolução.

Nasceu no Brasil, em 1936, um ano antes da instauração da ditadura de Getúlio Vargas, também chamada de Estado Novo, entre 1937-1945. Com o fim da chamada “Era Vargas”, aos 11 anos, envolve-se pela primeira vez na política. Entra para o Partido Comunista Brasileiro pela mão de um tio candidato a deputado e envolve-se na campanha. Desde então, milita com a foice e o martelo ao peito.

A coleção de derrotas a que Zillah Branco alude neste episódio “Especial 25 de Abril” é longa e cheia de percalços. Não é para menos. Em oito décadas, viveu por dentro acontecimentos que apenas conhecemos dos livros. A História, escreve-a quem a ganha, e os ideais que inspiram Zillah nunca fizeram parte das narrativas vencedoras.

Testemunha o golpe de 1964, no Brasil, que instaurou a ditadura militar. Ajudou muitas pessoas perseguidas pelo regime a fugirem do país, até ao dia em que ela própria teve de fazer as malas. Refugia-se com os três filhos no Chile e, seis meses depois, vê Salvador Allende ser eleito presidente.

Na sua nova “pátria”, trabalha na reforma agrária e junta-se à luta dos trabalhadores. No entanto, numa espécie de déjà-vu, vê tudo a ruir novamente. Vive a poucos quilómetros de distância, em Santiago do Chile, o golpe militar liderado por Augusto Pinochet, a 11 de Setembro de 1973.

De sua casa, Zillah ouve os bombardeamentos no Palácio de La Moneda – sede da Presidência da República do Chile – e pouco tempo depois descobre que Salvador Allende estava morto. A versão oficial confirma o suicídio.

O golpe foi cozinhado e apoiado pelos Estados Unidos da América e, nos últimos anos, o investigador americano Peter Kornbluh, tem revelado muitos desses detalhes, após a desclassificação de milhares de documentos da época.

Volta a fugir. Com alguma sorte, consegue escapar à ditadura do facínora Pinochet e regressa ao Brasil da ditadura militar. Não por muito tempo.

O filho fala-lhe da Revolução de Abril e decidem atravessar o atlântico, até Portugal. Chegam em pleno Processo Revolucionário em Curso (PREC), a tempo de viver um dos períodos mais efervescentes e excitantes da história recente do país. Trabalhou no processo de Reforma Agrária, nos governos de Vasco Gonçalves, e fez-se militante do Partido Comunista Português.

Décadas depois, regressa ao Brasil, para ver Luís Inácio Lula da Silva ser eleito presidente. Hoje, já em Portugal, olha para o país que a viu nascer com preocupação, apontando o dedo ao sistema judicial, à pressão internacional e a Jair Bolsonaro, candidato presidencial às eleições de outubro próximo, que foi militar durante a ditadura, e que é assumidamente defensor da tortura, nacionalista, xenófobo, e racista.

Viverá Zillah mais uma derrota?

Nota: A palavra que Zillah Branco tenta, sem sucesso, lembrar-se durante a conversa é “desquite” que, no Chile, significa “traição” e significaria “divórcio” no documento brasileiro lido pela polícia.

Fotografia: Estúdio Horácio Novais/Biblioteca de Arte Fundação Calouste Gulbenkian

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