Moedas Sociais

Miguel Hirota: “Os bancos desfrutam de imunidade política e económica”

Ouro, prata, bronze, mas também sal, cacau, seda ou chá. Ou podemos chamar-lhes moedas. Recorrer a moeda-mercadoria é usar um meio de troca que não vive no campo do simbólico. A moeda vale por si, está ligada à existência de um bem concreto. Mas, hoje, na maior parte das economias ocidentais, não é assim que as coisas funcionam. A moeda-fiduciária é a protagonista das trocas comerciais. Por definição, ‘fiduciária’ significa “que depende da confiança”. “Não tem valor intrínseco, mas é aceite em troca de bens e serviços, porque as pessoas confiam que um banco central mantenha o seu valor estável ao longo do tempo”, segundo se lê no sítio web do Banco Central Europeu (BCE).

Mas será seguro confiar nas instituições que ditam as políticas monetárias e fiscalizam o sistema bancário? Em 2017, a soma dos resgates a entidades bancárias portuguesas, pagas pelos contribuintes, totalizava o astronómico valor de 12,9 mil milhões de euros. A conta não está fechada e continuará a subir.

Não deveria o Banco de Portugal evitar que estes salvamentos tivessem acontecido? Quem fiscaliza o trabalho das pessoas que gerem as entidades de supervisão? Podem ser responsabilizadas? A título de exemplo, Vítor Constâncio foi governador do Banco de Portugal entre 1985 e 1986 e, uma vez mais, de 2000 a 2010. Foi também Vice-Governador em 1977, posição que voltou a ocupar em 1979 e entre 1981-84. Mais de 15 anos em cargos de alto nível. Há oito anos que está vice-presidente do Banco Central Europeu, o seu mandato terminará a 31 de maio. Não foi universalmente eleito para nenhuma destas posições.

Deveria o voto popular ser o garante da representatividade democrática no seio das instituições com responsabilidades na regulação da banca?

Num texto sobre como o dinheiro é, de facto, criado, a colunista do jornal britânico The Guardian, Zoe Williams, fez, em outubro do ano passado, eco dos resultados de um inquérito conduzido pela Positive Money, uma organização sem fins lucrativos que propõe a reforma do sistema monetário e bancário. Concluía-se que 85% dos membros do parlamento britânico não sabiam que os bancos criavam dinheiro sempre que efectuavam prolongamentos de crédito e 70% achava que só o governo tinha autoridade para criar moeda. Na realidade, conta-nos a colunista, 97% do dinheiro emprestado pelos bancos comerciais é criado desta forma. Ironizava: “Todo o dinheiro vem de uma árvore mágica, no sentido em que é criado a partir do ar. (…) A verdadeira questão é: quem é que manda na árvore?”

Money makes the world go round, cantou Liza Minnelli no musical Cabaret, de 1972. O dinheiro faz o mundo girar. E se há quem tenha muito, há necessariamente quem tenha muito pouco.

Determinante para o estado da existência de cada ser humano, a gestão do dinheiro parece fugir a um controlo verdadeiramente democrático. Na atual economia global, baseada numa ideia de crescimento contínuo, parece não existir lugar para o alívio das desigualdades. Pelo contrário, como aponta o relatório “Reward work, not wealth“, da organização Oxfam International, publicado em Janeiro deste ano. Será possível crescer para sempre? E será desejável? Este é, afinal, um mundo finito. Se as preocupações sociais não são a força orientadora das políticas económica e monetária, há, então, que procurar aliviar as deficiências de outro modo.

Uma resposta são as moedas sociais. Têm “o potencial para resolver ou atenuar o problema do ‘desencaixe’ entre disponibilidade de capital e necessidades não atendidas”, como explicava, há já uma década, Marusa Freire, do Centro de Estudos Jurídicos da Procuradoria-Geral do Banco Central do Brasil. No Brasil, o Banco Palmas concede microcrédito de apoio à produção local e em Campolide, uma freguesia de Lisboa, troca-se lixo por produtos no comércio local.

Foi sobre moedas sociais e dinheiro que falámos com Miguel Yasuyuki Hirota, doutorado em economia social pela Universidade de Valência. Este japonês, radicado em Espanha, é co-fundador do Instituto de la Moneda Social e sócio da Dinero Positivo, uma organização sem fins lucrativos que pretende contribuir para a reforma do sistema monetário.

Fotografia: Niels Steeman/Unsplash

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