“Síria: já vimos este filme antes”, por Tomás Pereira

Na madrugada de 14 de Abril os mísseis caíram sobre a Síria. Estados Unidos da América, Reino Unido e França bombardeavam aquilo que consideravam ser alvos estratégicos em resposta ao uso de armas químicas pelo regime de Bashar Al-Assad.

Todos os intervenientes são criticáveis, por vários motivos. Trump foi eleito com um programa que alegava uma inclinação para o não intervencionismo, tendo claramente invertido o rumo. Já Theresa May, a braços com o Brexit, adere a tudo o que possa distrair a opinião pública da forma desastrosa como vão correndo as negociações para a saída do Reino Unido da União Europeia, mesmo que isso envolva bombardear um país no Médio Oriente. Macron, que se quer promover como paladino da renovação democrática da Europa adere também a este bombardeamento, sem passar qualquer cartão às instituições Europeias – tudo para poder mandar um sinal a Berlim. Bashar Al-Assad é um ditador empenhado em não perder o poder, qualquer que seja o custo. Putin faz-se de cordeiro, mas não é preciso um grande esforço para ver que é um lobo que muito contribui para o actual estado de anomia do Médio Oriente e para o aumento da tensão diplomático-militar vivida noutras zonas do globo.

Há, no entanto, mais um grande “player” a contribuir para o degredo generalizado que é a abordagem da comunidade internacional à guerra na Síria: a comunicação social.

O Expresso, por exemplo, lançou uma notícia, na sequência do ataque, onde alegava que centenas de sírios tinham saído à rua para celebrar o bombardeamento da troika Trump-May-Macron. No texto, citava uma notícia da Associated Press… que dizia exatamente o oposto. Os sírios tinham saído à rua numa demonstração de apoio a Bashar Al-Assad. Já a capa do Diário de Notícias de 11 de Abril titulava que “só um grande ataque Americano” poderia travar a vitória de Bashar Al-Assad. Lá fora, na The New Yorker, numa crónica publicada a 14 de Abril, o autor pedia que Trump ordenasse o assassinato de Assad e de todos os que lhe eram próximos, clamando ao mesmo tempo por mais intervenção Americana no conflito, para evitar que a Rússia ocupasse um eventual vazio de poder. Estes maus exemplos nos media ocidentais certamente encontrarão equivalentes seus, relativos a outros episódios, em órgãos de comunicação Russos ou Iranianos, sendo este um equilíbrio que não deve deixar ninguém descansado.

Conversámos bastante acerca deste tema na redação do Fumaça esta semana. A propósito da discussão o Pedro Santos recuperou um texto escrito por José Manuel Fernandes no Público, em Março de 2003, em apoio à intervenção no Iraque onde o autor dizia “sei que há o risco de abrir uma perigosa “caixa de pandora”. Pois bem, quinze anos depois a caixa está escancarada e muitas das desgraças que dela saíram já aconteceram.

Não podemos fazer o tempo voltar atrás para evitar a Guerra do Iraque. Podemos, no entanto, pedir que os meios de comunicação social se esforcem mais por nos informar convenientemente. Numa era com tanta informação disponível, é cada vez mais fácil perceber quando não o estão a fazer, seja por negligência, seja por outros motivos.

A tolerância geral para o tratamento leviano de assuntos sérios está cada vez mais baixa. Esforcemo-nos por evitar fazê-lo. É que já vimos este filme antes.

Fotografia: UNRWA/Rami Al Sayyed

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