Pobreza

Carlos Farinha Rodrigues: “É o capitalismo que justifica a pobreza e desigualdade que temos”

Ter um emprego estável não significa uma vida livre de privações. Não significa sequer escapar à pobreza e pode significar ter de apagar as luzes, mesmo quando a luz que entra pela janela não chega.

O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, elaborado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou que, em 2016, já com a Geringonça no poder e as actualizações ao salário mínimo nacional em vigor, 10,8% dos trabalhadores portugueses permaneciam em risco de pobreza. O que significa isto? Estar em risco de pobreza significa – apesar da tentativa de branqueamento da realidade que o nome do indicador parece procurar – ser-se pobre. Não há como dar a volta. Significa estar-se abaixo do limiar da pobreza. Em Portugal, receber o salário mínimo é viver entre a espada e a parede.

Isabel Nascimento, retratada pelo semanário Sol na reportagem “Viver com o salário mínimo: o milagre da multiplicação”, de 2014, era uma das faces desta realidade. Recebia o salário mínimo e via-se obrigada a falar aos jornalistas às escuras. Dos 431,65 euros que recebia, 300 perdiam-se imediatamente na renda da casa que dividia com o marido, desempregado, e os dois filhos. Teve que apagar as luzes para poupar. Isabel faz parte daqueles que recebem o salário mínimo nacional. São “trapezistas equilibrados num fio muito fino”. Quem o disse, num artigo do jornal Público, foi Susana Peralta, investigadora e professora na Universidade Nova de Lisboa. O número de trabalhadores a receber o salário mínimo passou de “5% em 2008 para cerca de 25% no final de 2016”. “Preocupante”, considera a economista.

A pobreza em Portugal é uma realidade demasiado abrangente. Em 2016 o INE contava 2,4 milhões de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social em Portugal. É o mesmo que dizer 23,3% da população do país, menos 1,8 pontos percentuais em relação a 2015. Mas se a taxa de risco de pobreza desceu neste período, o mesmo não pode dizer-se da taxa de intensidade da pobreza, que mede quão distantes estão os rendimentos mais baixos relativamente ao limiar definido para a pobreza. De 2015 para 2016 esta taxa subiu 0,3 pontos percentuais, para os 27%. A subida é curta, é certo, mas revela uma intensificação da pobreza entre os mais pobres dos pobres.

“A cada 2 dias” aparece um novo bilionário e 82% de toda a riqueza gerada acaba nos bolsos das 1% mais ricas. “Nada para as 50% mais pobres”. Foi assim em 2017, segundo o relatório “Reward Work, Not Wealth”, lançado em 2018 pela Oxfam International. O nome do relatório revela o desejo, longínquo: “Recompensar o Trabalho, Não a Riqueza”. Mas o fosso não para de aumentar, sobretudo quando comparamos os mais ricos e os mais pobres.

Esta semana fomos até ao Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) falar com Carlos Farinha Rodrigues, doutorado em Economia e professor naquela instituição de ensino superior. É membro do Observatório das Desigualdades do CIES-IUL, assessor do INE e um dos mais proeminentes especialistas em pobreza e desigualdade em Portugal.

Qual é o caminho para eliminar a pobreza e reduzir a desigualdade?

Terão os estados os recursos que lhes permitam acabar com a pobreza, quando nas últimas décadas o denominador comum tem sido o declínio generalizado do capital público perante o aumento desmesurado do capital privado? Quão importante é o papel das transferências sociais na redução da pobreza e da desigualdade? Terá Pedro Ferraz da Costa razão, quando afirma que “as pessoas não querem trabalhar”, ou estaremos nós perante um problema pandémico de precariedade no emprego que nos está a conduzir a situações de pobreza?

Fotografia: Ignacio Ferre no VisualHunt / CC BY-NC-ND

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